Waldir 59, cego aos 84 anos, mantém o estilo e o amor à Portela, como mostram as fotos ao lado
Guito Moreto / Agência O GLOBO
RIO - desenvoltura com que Waldir de Souza, o Waldir 59, sobe e desce
os lances de escada do prédio do Engenho de Dentro onde mora no quarto
andar (sem elevador) desmoralizam o glaucoma que o deixou cego há dez
anos. Sua elegância, sempre lembrada pelas pastoras portelenses (como
acontece no filme "O mistério do samba", produzido por Marisa Monte), é
uma das características que preserva aos 84 anos. Ele é o mais antigo
sócio vivo da Portela — Casquinha tem 89, mas chegou depois à escola.
Um
documentário pretende contar a rica história de Waldir. Ao lado do
concunhado e grande amigo Candeia, ele venceu cinco disputas de
samba-enredo na Portela, sendo campeão do carnaval em 1957, e 1959. E é
um dos principais diretores de harmonia das oito décadas de desfiles,
tendo ganhado em 1991 um Estandarte de Ouro como personalidade do
carnaval.
— Ele é um emblema do próprio samba. E o filme vai
permitir que, como aconteceu comigo, as pessoas se apaixonem por ele —
diz Anita Ekman Simões, de 27 anos, que dirigirá o documentário ao lado
de Alberto Bellezia, cinegrafista que trabalhou com Walter Salles
("Diários de motocicleta", "Abril despedaçado", "Central do Brasil") e
outros cineastas.
Ela conheceu Waldir há alguns anos e se
encantou, passando a ajudá-lo até nas coisas práticas, como pagar o IPTU
atrasado para que ele não perdesse o apartamento que ganhou em seus
tempos de ferroviário. Diz que virou o "anjo número 60", enquanto Kátia,
a moça que o visita diariamente para cuidar da casa onde ele vive
sozinho, é o 61.
— Havia outros dois Waldir na Ala dos
Impossíveis, da Portela, e eu passei a ser o 59 porque era o número da
minha casa. Depois começaram a dizer que eu tinha 59 mulheres — conta
Waldir, rindo com orgulho do apelido. — Tive muitas namoradas mesmo.
Teve um dia em que sete se juntaram para me dar uma lição e eu tive que
lutar para salvar minha camisa de seda. Planos de CD e show
O
objetivo de Anita não é apenas olhar para o passado de Waldir. Com a
ajuda de Bellezia e do operador de som Marcos Noronha, ela já registrou o
compositor cantando 40 sambas próprios, quase todos inéditos, pois sua
obra gravada não vai muito além dos sambas-enredo. O mais conhecido,
"Riquezas do Brasil" (1956), teve, entre as versões, uma de Zeca
Pagodinho em 2002. E ele continua compondo.
Anita, que está
montando uma estrutura de crowdfunding (pessoas contribuem em troca de
vantagens quando o projeto se concretiza) para viabilizar o filme,
também planeja um CD de Waldir e acertou a participação dele, em agosto,
num show ao ar livre na Lapa comandado pelo pandeirista Sergio
Krakowski.
— Não gostava de cantar. Minha voz era pequena e, no
passado, havia vozeirões como Jamelão, Xangô e Toco — afirma Waldir, que
nunca integrou o grupo de shows da Velha Guarda da Portela.
— Ele
merecia estar entre nós. Acho que não está por causa do problema de
saúde, porque precisaria sempre de um acompanhante. Mas é um grande
portelense — diz Monarco, líder da Velha Guarda.
— Como diretor de
harmonia, ele criou o andamento da Portela, deu uma cara a ela — exalta
a carnavalesca Maria Augusta, relativizando o papel de Waldir em outras
escolas, como a Unidos da Tijuca. — Há pessoas que não conseguem deixar
de ser a escola de origem.
E Waldir já estava na Portela quando
ela, por determinação de um delegado, ganhou este nome, pois se chamava
Vai Como Pode. E estava em outros momentos marcantes, como quando
Candeia, após perseguir um caminhão, tomou os tiros que o deixaram
paralítico. E na criação do Quilombo, a dissidência que o amigo fundou
em 1975 após romper com a Portela.
— Mas sempre fui de alegria, nada de tristeza — diz.
Reportagem publicada no vespertino para tablet O GLOBO A MAIS
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